Paixão e vício são coisas muito parecidas. O Sr. Silva não é um viciado, mas está apaixonado. Como um drogado, mostra claros sinais de alienação e deslumbramento. O seu corpo todo responde à sua paixão e de sua mente tudo o mais ele exclui; a paixão o rejuvenesce e o faz sentir-se livre. Vê o mundo claro e límpido, como um desenho novo, porém seus olhos não fixam nenhum detalhe e o seu pensamento viaja acima das preocupações corriqueiras dos mortais. As pessoas lhe parecem ridículas, entregues que estão a afazeres ridículos e mesquinhos; as amizades com seus melhores amigos estão suspensas. Sorri enquanto dirige levando ao lado o estojo de um colar de pérolas e um buquê de rosas. Quase em êxtase, ele tem vontade de gritar com toda a força o nome de sua amada. Porém, outras vezes desconfia de que é vítima, de que é enganado, se apressa, voa mesmo, na maior aflição e ódio, devastado pelo ciúme. Seu comportamento então não tem medidas, nem seu juízo tem ouvidos: quer destruir, bater e matar.
Trata-se de uma paixão proibida. Como é uma pessoa de bem, o Sr. Silva está consciente do mal a que está entregue mas este mal parece-lhe que afasta todos os outros males e torna-se a sua derradeira esperança de felicidade. Aos cinqüenta anos, pensa que voltar à sua antiga rotina de vida seria renunciar à felicidade que o amor ainda lhe poderia dar, para meter-se de vez em um caixão, e este pensamento lhe provoca lágrimas. Essa renúncia ele não acha justa nem tem coragem de fazer. Mas não consegue divisar um futuro e a vida então lhe parece sem sentido.
Como é possível alguém cair em estado tão lamentável como aquele de um viciado em drogas, ou em tal descontrole como se encontra o Sr. Silva?
Rubem Queiroz Cobra
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