quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Artigo sobre Direito Penal

A INFLUÊNCIA DA MÍDIA NOS TRIBUNAIS DO JÚRI

Tatiana Vizzotto Borsa²
Carlos Alexandre Funk da Silva¹


Sumário: 1. Introdução; 2. O surgimento da mídia, fatores históricos e a posição do imputado; 3. Imparcialidade das decisões e a mídia; 4. A influencia da mídia em jovens e adultos; 5. Considerações finais; 6. Referências Bibliográficas.

Resumo: O presente artigo tem como objetivo demonstrar os diversos fatores de envolvimento da mídia no processo penal e evocar a reflexão sobre até que ponto se torna eficaz um tribunal que invariavelmente acaba envolvido com os fatos que estão noticiados pela imprensa que não preceitua os regramentos jurídicos no momento da divulgação e que inevitavelmente estará participando nas decisões do tribunal, este que muitas vezes deverá julgar alguém movido pela falsa sensação de realismo das circunstâncias.

Palavras-chave: Mídia – Tribunais – Influência – Vida – Brasil – Crimes – Imprensa - Decisões.

1. Introdução:

A sociedade vive um período histórico em que a comunicação ultrapassa as barreiras da economia e encontra em seu caminho praticamente todas as pessoas do planeta e este acesso destrói, constrói e forma opiniões coletivas sobre diversos assuntos em diferentes aspectos. A facilidade de proporcionar conteúdo informativo em grande escala produz distorções em fatos de grande comoção social que tendem a gerar resultados desfavoráveis ao procedimento judicial, mais precisamente neste caso, no trâmite de ações que envolvem crimes dolosos contra a vida. A mídia, quando envolvida em noticiar a divulgação de fatos criminosos com celeridade e por motivos de ordem econômica (IBOPE)³, esquece de questões basilares e muito importantes a todos como a presunção de inocência e também algumas formas de garantias constitucionais que devem ser respeitadas quando conferidas ao réu de determinada ação penal.

Durante esta fase dos fatos, a opinião pública vai construindo uma imagem, um estigma de “bom”, de “salvador”, de “herói” para uns assim como a de “mau”, de “perdido”, de “vilão” para outros. Quando existe um acompanhamento próximo da mídia em um processo judicial, esses estigmas permanecem a prevalecer até o ponto em que se tem o julgamento pelo Tribunal do Júri, formado por jurados escolhidos por sorteio entre cidadãos que possuam notória idoneidade, pessoas das mais variadas classes sociais e que, independentemente de serem idôneas, de terem níveis escolares diferentes, estão contaminadas pelas conclusões muitas vezes precipitadas que os órgãos de comunicação as impõem. Segundo Capez, “a finalidade do Tribunal do Júri é a de ampliar o direito de defesa dos réus, funcionando-se como uma garantia dos acusados pela prática de crimes dolosos contra a vida e permitir que, em lugar do juiz togado, preso a regras jurídicas, sejam julgados pelos seus pares” (CAPEZ, 2009, p.630).

Como se pode perceber, as pessoas nas mais diversas classes sociais estão frequentemente influenciadas pela opinião dos canais de comunicação e isso evoca a reflexão sobre até que ponto se torna eficaz um tribunal que invariavelmente acaba envolvido com os fatos que estão noticiados pela mídia, uma vez que esta não preceitua os regramentos jurídicos no momento da divulgação de fatos, e que irão julgar alguém movido pela falsa sensação de realismo das circunstâncias.

2. O surgimento da mídia, fatores históricos e a posição do imputado:

Desde o século XIX e também início do século XX que se percebe de forma clara o tamanho do interesse que a sociedade tem por determinados processos penais e consequentemente os jornais da época iniciam uma ocupação de suas páginas destinadas a focar delitos e processos reproduzindo em palavras o Direito como um espetáculo informativo que, nesse aspecto, foi acompanhado de críticas massivas em certos casos e dispersas em outros, no que diz respeito ao uso e efeitos desses certames de espetáculo e isso demonstra o quanto as pessoas são capazes de, no calor de participar e fomentar um ideal coletivo, acabar transtornando os caminhos do regramento jurídico.

O fenômeno das atividades criminais é sem dúvida a principal ocupação dos meios de comunicação na busca pela exploração de fatos delituosos como cenário de ostensividade e o grande motivador desta posição são os fatores ligados a fascinação que a raça humana sempre cultivou em receber como bem vinda uma informação oriunda de um espetáculo punitivo. Maquiavel já percebia esta característica, o fascínio que produzia nas massas a espetacularização do poder e da justiça assim proferindo: “... os homens em geral julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, porque a todos cabe ver, mas poucos são capazes de sentir. Todos vêem o que tu aparentas, poucos sentem aquilo que tu és; e esses poucos não se atrevem a contrariar a opinião dos muitos que, aliás, estão protegidos pela majestade do Estado; e, nas ações de todos os homens, em especial dos príncipes, onde não existe tribunal a que recorrer, o que importa é o sucesso das mesmas...”4. Este foco da mídia no processo criminal pode ter um resultado positivo: percebe-se que determinadas ocorrências despertam o alerta de que algo está errado com a estrutura social e em que patamar pode-se encontrar tais problemas. Mas escondido nesta imagem favorável, existe uma verdade ainda mais negativa: a participação massiva da mídia (que produz um aumento do prestígio pela coletividade) acaba poluindo informações relacionadas ao fenômeno do crime e as propostas de soluções sociais apresentando-as de forma inexata, alterada por interesses pessoais daqueles que os direcionam. Assim, quando inicia-se um levante dos meios de comunicação por determinado fato, o entendimento coletivo começa a inclinar e a produzir opiniões sobre o julgamento e em muitos casos compromete a imparcialidade daqueles que são responsáveis pela decisão final e justa, isso quando não são pressionados a resolver a propositura em tal direção.

Quando se começa a avaliar as conseqüências da divulgação constante da justiça no âmbito do Direito Penal através dos canais de informação, aparece como uma problemática o estrago que pode causar tal atitude em relação ao imputado, onde se presume inocente pelo regramento jurídico, porém abarrotado de culpa pela ótica da opinião pública. Nilo Batista já dizia que “... o processo de executivização das agências de comunicação evidencia-se no exato momento em que os textos jornalísticos abandonam a intenção de narrar com fidelidade à investigação de um crime ou o um processo em curso, para assumir uma postura política, investigativa e acusatória, reconstituindo de forma dramatizada os fatos, condenando, sem defesa, os infelizes réus” (BATISTA, 2002, p. 271-274)5.

3. Imparcialidade das decisões e a mídia:

Os crimes dolosos contra a vida, por serem julgados por um tribunal constituído de seres humanos, acaba atingido com a influência dos ideais comuns de punição que envolve a sociedade e o que se deve esperar de pessoas do habitual convívio social quando percebe-se que os profissionais da área jurídica com plenitude na formação para atuar, conhecedores da necessidade de garantir a eficiência penal, habilitados a filtrar informações relativas a culpabilidade de um indivíduo que fora disseminado pela mídia, não o faz possibilita dentro desta máxima que o julgamento passe a atribuir valor de prova por uma situação que muitas vezes sequer chegou a fazer parte do processo. O professor Sergio Habib em um de seus ensinamentos diz que “temos, ultimamente, são alguns magistrados, ou mesmo alguns tribunais, receosos com a repercussão negativa de suas decisões (...). Não se queira, pois, fazer terror com as suas decisões, expondo-o à execração pública, seja porque concedeu uma ordem de habeas corpus em favor de determinado réu, cuja situação processual assim recomendava, seja porque deixou de condenar outro, considerado culpado pela mídia, mas inocente dentro dos autos. Ressalte-se que nem sempre aqueles a quem a mídia condena, num julgamento sumário e descartável, poderão ser condenados nos processos a que respondem, porque o verdadeiro juiz julga segundo a prova, enquanto que o "juiz-show" julga por ouvir dizer (o que dizem os jornais e a grande mídia nacional. ”4.

Interessante observar que quando uma instituição desenvolve a opinião pública, existe um relacionamento muito mais próximo em condenar por antecipação que absolver e a absolvição em sua grande maioria diz respeito aqueles casos de se “fazer justiça” e promover Auto-tutela (extremamente inaceitável em um Estado Democrático de Direito). Do outro lado, este fenômeno de condenar socialmente encontra abrigo geralmente na posição social do acusado ou da vítima trazendo uma revolta por parte de diferentes classes sociais. 

4. Influência da mídia em jovens e adultos: 

Atualmente percebe-se o real e crescente apego das pessoas em descobrir os caminhos que se desenvolve o processo penal e estas condições estabelecem um contato entre o processo penal e a opinião pública sendo que o elo de comunicação naturalmente torna-se a imprensa. Em um primeiro momento ela inicia suas ações de interesses construindo a personalidade de crianças e jovens para que com o passar do tempo possa imprimir suas necessidades em um público bem mais receptivo e adestrado e a importância neste aspecto está na capacidade que a mídia tem de impactar seu público alvo com sentimentos fortes que acabam sempre marcando os seres humanos e é por isso que há conexão com a maneira que se estrutura a personalidade dos jovens, questão relevante quando se vive uma geração de tecnologias com capacidade de proporcionar uma rápida troca de informações no âmbito global. Com esta lógica estruturada, percebe-se que os adultos de hoje e também os de amanhã terão uma formação psicológica ainda maior de aceitação dos pré-conceitos relacionados ao processo penal e sua sistemática e isso legitima os atos da imprensa frente ao público que ela mesma construiu.

Depois de ter montado a mente das crianças e jovens, inicia-se um processo de adaptar o interesse da instituição conforme as suas necessidades de mercado. Diego Moretto escreve sobre o assunto em seu blog na internet dizendo que “A mídia brasileira funciona da seguinte forma: aproveita-se ao máximo o acontecimento da semana e espera outro igual ou tão grande para poderem abafar o caso e partir para outra. A exemplo disso temos o recente caso do triste acidente com o vôo do avião da TAM, o que causou alarde em todo nosso país, nos deixando com um luto eterno por àquelas vítimas do descaso. Não se falava não se lia não se ouvia outra coisa, tudo passado pela mídia envolvia o acidente. OK era de extrema importância se tratar do assunto, e abriu mais ainda a ferida que ronda o sistema aéreo brasileiro, mas o que esta sendo discutido neste artigo, não é a importância das matérias passadas pela mídia (isso em outro post...) e sim a responsabilidade em passar informação com credibilidade e clareza para o público” e continua: “Enquanto não se via mais nada além do acidente da TAM, Renan Calheiros continuava fazendo do senado seu circo, onde os palhaços eram o público e até agora, nada se resolveu; não se sabe mais nada sobre os jovens que espancaram a doméstica e pior, abafaram a história de outros jovens que também espancaram um idoso e de mais outros que espancaram uma professora. Aqui no estado (ES), um crime bárbaro aconteceu - padrasto matou enteado de 2 anos a socos porque ele queria brincar e não o deixava dormir-, digno de ser passado na mídia, mas... ainda tinha de se vender a tragédia da TAM....”

Outro grande exemplo de caça ao lucro e a audiência com a desgastante cobertura foi o caso Isabella Nardoni que proporcionou uma alarmante justiça de espetáculo. O jornalista Célio J. Lasmar muito bem escreveu dizendo que “É fato incontestável que como qualquer outro animal possuímos o que se convencionou chamar de instinto predador, e que se manifesta em maior ou menor grau em todos dependendo das situações a que somos submetidos ou em alguns de nós se manifesta independente de fatores externos, sendo praticamente traço componente de nossa personalidade do qual não temos até o momento como nos livrar, embora nossas mentes cientificas tentem buscar respostas e soluções para evitar que cometamos atos incompatíveis com a convivência social desejável dentro de nossas comunidades.Assim, temos que aqueles que possuem um grau menor de instinto predador, ou que o mantém sob controle através da educação obtida no seio familiar ou então por temer as conseqüências estabelecidas pelas regras de convivência social em nossas sociedades (Leis), ou que atingiu um estágio de respeito e compreensão por outrem que outra personalidade ainda não conseguiu por si só, ficam perplexos diante de atitudes bárbaras, cometidas por aqueles de nós que não souberam conter seu lado negativo.É fato inegável e faz parte de nossa cultura explorar este lado mórbido dos acontecimentos violentos, basta verem a curiosidade natural das pessoas sobre fatos simples como uma colisão de veículos, por exemplo, e num mundo onde a informação viaja em alta velocidade, e com instantaneidade como o atual, atos criminosos como este envolvendo no caso uma criança – se é que se constate de fato crime através das investigações – geram revolta, indignação e tristeza em muitos de nós em maior ou menor grau, de acordo com a sensibilidade de cada um.Assim temos que a imprensa sabedora deste fenômeno normalmente entra de sola no assunto, pois para ela tal fato é um gerador de negócio e renda, e como bem sabemos, quanto mais se fala e publica sobre o caso, mais interesse ele gera no público até que se atinja o que poderíamos chamar de saturação da informação, ou seja o publico cansou e aí então a mídia perderá também o interesse, já que passa a não dar mais a renda esperada, ou seja os custos passam a ser maiores que os benefícios. A maneira doentia de a mídia nacional gerir e alimentar os fatos neste e em outros episódios ocorridos em nossa sociedade, tem demonstrado influir de forma negativa em sua correta apuração pelas autoridades constituídas com a tranqüilidade, eficiência e honestidade que a situação exige a fim de não se destruírem reputações, pessoas, famílias ou grupos de pessoas que podem na verdade nada ter a ver com o fato, independentemente diga-se de passagem de sua condição social, e que irão carregar o fardo causado pelas pressões a que foram submetidos no momento atual, talvez por toda a vida, sendo ou não culpados, o que no primeiro caso é inaceitável e injustificável. Assim sendo, sem dúvida é dever da imprensa informar a sociedade, mas como podemos ver em alguns casos ela excede suas fronteiras a partir do momento em que passa a externar opiniões, e até mesmo a pressionar autoridades para que emitam opiniões ou a dirigir entrevistas e depoimentos de envolvidos com o intuito de vender seu peixe, chegando mesmo a termo de influenciar até decisões de pessoas encarregadas da apuração legal dos fatos tanto na Polícia como no Judiciário, o que é no mínimo inaceitável. Assim como podemos analisar pelo comportamento da nossa imprensa neste caso, sua influência a meu entender é negativa a partir do momento que em vez de se ater aos fatos passa a agir como agente fomentador de especulações de toda ordem sobre o evento objeto da reportagem, aqui no caso a morte da menina Isabella Nardoni, com a finalidade única de criar uma audiência para si. Creio que nossa imprensa precisa de um choque ético, e de uma maneira mais adequada para lidar com os fatos que irá cobrir dentro de nossa sociedade, já que seu comportamento atual não demonstra muito escrúpulo e diria até respeito pela sociedade e por seus iguais, da qual também é parte integrante.”

Percebe-se que nesta situação a mídia antecipadamente condenou o pai e a madrasta mesmo que posterior ao fato eles viessem a provar sua inocência, tiveram em primeira mão seus rostos marcados em todos os jornais e o que dizer da dignidade da pessoa humana, que tanto se invoca nos ambientes magistraturais, dos advogados ou mesmo do ministério público, trazendo a sociedade um momento de reflexão sobre a possibilidade da liberdade de imprensa encontrar maioridade de conduta quanto a dignidade de dois cidadãos.

6. Considerações finais

O objetivo deste artigo foi expor o poder que exerce os meios de comunicação demonstrando que a imprensa intervém no processo de configuração da atividade penal e por conseqüência, do tribunal do júri, através do induzimento de certas notícias e de fatos que atingem a sensibilidade social com volumosos e apelativos discursos emitidos sem observar as garantias e regramentos jurídicos que a todos se reserva direito e utilizando de seu direito de informar, abandona seu objetivo essencial e veste-se do papel de Estado Juiz, onde passa a acusar situações de comoção e violar princípios basilares e de fundamental importância como a ampla defesa e a presunção de inocência. Observa-se que o tribunal do júri encontra posição delicada no que tange ao seu verdadeiro papel jurídico uma vez que possui contato direto com todos esses mecanismos que atingem a opinião pública e coloca em dúvida a capacidade e efetivação de suas funções dentro da estrutura normativa. 

7. Referências Bibliográficas

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2009.

MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Trad.: Pietro Nassetti. 2. Ed. São Paulo: Martin Claret, 2007.

BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade. Rio de Janeiro: Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002.

HABIB, Sérgio. Professor. http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4720&p=3

MORETTO, Diego. Jornalista. http://dmoretto.blogspot.com.br/2007/08/m-influncia-da-mdia-brasileira.html

LASMAR, Célio. Jornalista. http://jornaldedebates.uol.com.br/debate/qual-influencia-midia-na-investigacao-morte-menina/artigo/midia-nacional-menina-isabella-nard

¹ Graduando do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil.

² Mestre em Ciências Criminais pela PUC/RS, Professora de Direito Penal e Direito Processual Penal, Advogada Criminalista.

³ Sigla do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística, inserido neste contexto como sinônimo de audiência e prestígio.

4 Em Italiano (Niccolò Machiavelli) Nicolau Maquiavel: é reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna pelo fato de haver escrito sobre o Estado e o Governo como realmente são e não como deveriam ser. Trecho do Livro “O Príncipe, de Maquievel” Cap XVIII.

5 BATISTA, Nilo. Mídia e sistema penal no capitalismo tardio. Discursos Sediciosos: crime, direito e sociedade.

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