sábado, 18 de maio de 2013

Espaço do Leitor: Descaso do Poder Público

Por Leandro Neutzling Barbosa
Pai de aluno e ex-aluno - Camaquã/RS

EMEF Cônego Luiz Walter Hanquet: o Descaso do Poder Público 
 
Ao fazer uma leitura superficial da declaração da Administração Municipal que tornou-se pública com a divulgação na página eletrônica da Câmara Municipal de Vereadores de Camaquã sobre os rumos da Escola Municipal de Ensino Fundamental Cônego Walter Hanquet, localizada na localidade de Galpões 4º Distrito de Camaquã, pode parecer que a decisão de encerrar definitivamente as atividades neste Educandário com mais de 60 anos de existência é a mais acertada. Portanto é necessário que se faça uma reflexão mais profunda sobre esta decisão..

A Comunidade Rural tem na Escola Cônego um local público, uma referência, um centro de vivência comunitária, que possibilita diferentes atividades na vida e no cotidiano das pessoas que ali residem, pode-se dizer que a Escola mantém vivo o espírito comunitário. 
 
Sobre a nucleação de escolas (escolas polos) o Promotor de Justiça Miguel L. Gnigler declara: 
 
[...] a chamada nucleação de escolas primárias, que culminou com o fechamento de praticamente todas as escolas mantidas pelos Estados e Municípios na área rural, viola direitos e garantias das crianças e adolescentes em idade escolar, notadamente no que se refere aos princípios constitucionais enumerados nos artigos 206, incisos I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; 208 , Inciso IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade e art. 53, inciso V do ECA - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência." (Gnigler).

Ainda sobre o assunto Gnigler destaca:

“Embora ainda seja cedo para fazer qualquer conjectura em torno de possíveis reflexos que as reformas sob enfoque possam causar à identidade cultural das crianças atingidas com o processo de nucleação, a probabilidade de sua ocorrência não deve ser descartada. Urge, pois, sejam levados a efeito estudos no sentido de identificar eventuais consequências negativas, inclusive no tocante ao aspecto migração do jovem para a cidade, em face do seu afastamento prematuro das lides do campo.”

Fica evidente que a política de fechamento de escolas rurais não é consenso e carece de uma abordagem mais criteriosa antes da tomada de decisão que podem trazer graves implicações na vida das comunidades. Não é admissível que esta tomada de decisão seja fundamentada pela simples alegação que tais escolas onerem os cofres públicos, pois tal argumento pode ser considerado infundado se comparado ao custo do transporte escolar.

[...] questionar-se, portanto, se as medidas adotadas pelo Poder Público, ainda que sob o argumento de reduzir gastos com a manutenção da educação fundamental, ofendeu direitos básicos da criança e do adolescente; se a transferência compulsória das crianças e adolescentes para os centros urbanos pode trazer implicações à sua própria identidade cultural e se o processo pode criar dificuldades para manter o jovem na agricultura. (Gnigler).

Matéria Publicada na página da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores), com o título, Educadores lançam manifesto contra fechamento de escolas no meio rural, reflete a preocupação dos educadores em relação ao tema como fica explicito na transcrição abaixo:

"Fechar uma escola do campo significa privar milhares de jovens de seu direito à escolarização, à formação como cidadãos e ao ensino que contemple e se dê em sua realidade e como parte de sua cultura. Num país de milhares de analfabetos, impedir por motivos econômicos ou administrativos o acesso dos jovens à escola é, sim, um crime!" (Gnigler).

Analisando a Declaração é possível perceber que a administração Municipal esta em desacordo com os pressupostos da Educação do Campo.
Começamos a análise a partir da frase transcrita da Declaração da Administração Publica Municipal “Além disso, a estrutura física da escola não oferece condições de segurança para os alunos e a professora”. Até agora nenhuma novidade, pois a comunidade tem buscado junto a Administração Municipal solucionar esta situação há vários anos sem obter sucesso, mas o que merece atenção é o fato de que esta situação de precariedade é fruto da própria negligência da Administração Municipal. O que parece ser sensato é o que aponta Gnigler sobre responsabilizar os autores pela dilapidação do Patrimônio Público.

As escolas, segundo o art. 66, inciso II, do Código Civil, integram o acervo patrimonial da União, Estados ou dos Municípios, na categoria de bens públicos de uso especial , destinando-se à execução dos serviços públicos essenciais , daí tratar-se de bens patrimoniais indisponíveis, cuja guarda e conservação é cometida constitucionalmente aos entes políticos acima mencionados (art. 23, inciso I, CF). ( Gnigler). 
 
Um caso que exemplifica o grau de descaso da Administração Municipal com o patrimônio publico é a situação do prédio onde funcionava a EMEF Avelino Boeira na localidade vizinha denominada Cerca de Pedras.
 
“E, na última semana, a escola foi arrombada, da qual foram levados um compressor que aciona a bomba de água, botijão de gás, panelas, TV, DVD, aparelho de som, notebook, microfone, batedeira e outros utensílios.” .”(Administração Municipal).

O fato da Escola ter sido arrombada NÃO é argumento coerente, pois apenas reflete uma situação de insegurança, que já era de conhecimento da Administração Municipal. É importante informar que boa parte desses equipamentos/utensílios furtados foram adquiridos pelos esforços dos alunos, pais, professores e comunidade através da campanha “paguei quero nota”, campanha que premiou a escola em três oportunidades pelo número de cupons fiscais adquiridos, possibilitando também a construção da pracinha.

A argumentação que utiliza a precariedade do prédio e a falta de segurança como argumento parece depor mais uma vez contra a Administração Municipal, pois a tentativa de reparar um “erro” com outro “erro” não pode ser a única alternativa e nem a mais viável. Por outro lado é preocupante que os Administradores Municipais sintam-se respaldados pelos argumentos apresentados e possam utilizá-los em outras situações, por exemplo ruas, estradas, pontes, prédios públicos e etc, que encontram-se em situação semelhante. 
 
“Em contrapartida, a Prefeitura oferecerá transporte a todos os alunos da EMEF Cônego Luiz Walter Hanquet para uma escola de ensino fundamental completo, onde cada aluno será atendido em turmas únicas, tendo a oportunidade de concluir até o 9º ano nessa mesma escola.”(Administração Municipal).

“Além disso, a transferência possibilitará aos alunos profissional habilitado em todas as áreas, sala de recursos multifuncionais, professores especializados para o atendimento de alunos com necessidades especiais, laboratório de informática, biblioteca, quadra poliesportiva, refeitório.” (Administração Municipal).

A Argumentação acima tem sido uma estratégia utilizada há bastante tempo pelos que tem se ocupado em administrar a Educação Municipal, tentativa de seduzir os pais e alunos com recursos que são DIREITOS de todas as crianças Brasileiras é no mínimo subjulgar a capacidade intelectual dos moradores das comunidades rurais.

Os pais têm o direito de buscar escolas com mais recursos para os filhos e acabam transferindo as crianças para escolas que já conquistaram através de suas comunidades escolares os recursos que lhe são de direito. Parece ser um contracenso questionar a preferência dos pais já que a Escola encontra-se em uma situação de desigualdade. Vale salientar que a estratégia que faz uso da precarização do Educandário para forçar a retirada voluntária dos alunos para argumentar no número de alunos o desmantelamento do único órgão público municipal na comunidade, evidencia a política “despreocupada” com as questões comunitárias. Aqui parece valer o dito popular “matar a míngua”. Deixo aqui um
questionamento que acredito ser pertinente para o momento, esta comunidade uma das maiores do Município não tem alunos?

É importante ainda destacar que a manutenção das escolas rurais com o perfil apresentado, tem recebido atenção especial por parte do Ministério da Educação como o Programa Escola Ativa.

O programa Escola Ativa busca melhorar a qualidade do desempenho escolar em classes multisseriadas das escolas do campo. Entre as principais estratégias estão: implantar nas escolas recursos pedagógicos que estimulem a construção do conhecimento do aluno e capacitar professores. (MEC).

Também é valido salientar que o Governo Federal encaminhou para o Congresso Nacional em 2012 o Projeto de Lei 3534/2012 para restringir o fechamento arbitrário das escolas rurais.

Fica evidente que a ação de encerrar o funcionamento de uma Escola merece uma discussão mais aprofundada com a comunidade e deve ser amparada em um estudo rigoroso. Por outro lado cabe frisar que as condições mínimas de funcionamento do educandário devam ser providas para que a integridade física dos alunos e professores seja resguardada e o processo de ensino-aprendizagem não seja prejudicado.

Referências
GNIGLER, Miguel L. Gnigler. O Processo de nucleação das escolas isoladas. Disponível em: <http://www.mp.rs.gov.br/infancia/doutrina/id208.htm>.Acesso em: 18 mai. 2013.
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação-CNTE. Educadores lançam manifesto contra fechamento de escolas no meio rural. Texto digital. Disponível em: <http://www.cnte.org.br/index.php/comunica%C3%A7%C3%A3o/cnte-informa/421-cnte-informa-596-25-de-outubro-de-2011/9189-educadores-lancam-manifesto-contra-fechamento-de-escolas-no-meio-rural> .Acesso em : 18 mai.2013.
Ministério da Educação- MEC. Programa Escola Ativa. Disponível em:<http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=477&>. Acesso em 18 mai. 2013.

2 comentários:

  1. Zaira F Claro Galpões19 de maio de 2013 às 10:55

    Parabéns ao Leandro pela matéria muito bem colocada e baseada na verdade.Essa Escola representa para nós bem mais do que o número de alunos que ela possui: É o passado,o presente e o futuro de nossa comunidade que querem encerrar.Nos últimos 16 anos por aí,não é feita uma reforma,somente pequenos remendos,utilizando sobras de materiais.
    Descumpre a Lei Orgânica,o Poder Municipal em seu parágrafo único que diz:"Naõ será beneficiado diretamente o aluno que,por opção dos pais ou responsáveis,for matriculado em escola mais distante de suas residencias,se houver vaga na escola mais próxima".Sabemos que alunos que moram próximo a Morada Oswald viajam uns 18km para chegar até as chamadas escolas Pólo.O Transporte oferecido aos alunos daqui tem mais de 30 anos e a escola sempre funcionou normal. Faço minhas as palavra do vereado Rogerinho"se a comunidade ficar esquecida,abandonada;Como que não vai minguar"

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  2. É isso aí carissimo Leandro. Sempre coloco comentarios neste espaço quando surge problemas relacionados a comunidade Camaquense e apoio totalmente teu comentario, quase um desabafo mostrando com clareza que as desculpas esfarrapadas do prefeito não refletem a verdade ou são incoerentes. Temos que "botar a boca no trombone",mostrar para todos o Camaquenses que as coisas não estão "as mil maravilhas",como a administração fala aos quatro cantos. Eu não sabia da verdade da comunidade daí dos Galpões,só tinha visto aqui no Blog,a "VERDADE DO PREFEITO" aliás, meia verdade. "BOTAR A BOCA NO TROMBONE" é preciso,só assim as pessoas ficam sabendo a verdade inteira. Valdir Santos.

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